Introdução
O tema que se apresenta assume enorme relevância na relação Fisco-contribuinte, a qual passa a ser permeada por algumas garantias destinadas aos contribuintes em prol da justiça fiscal, tais como as elencadas na Lei Complementar Estadual nº. 939/03, conhecida como "Código do Contribuinte", em especial, o dispositivo que garante o "não encaminhamento ao Ministério Público, por parte da administração tributária, de representação para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária enquanto não proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência do crédito tributário correspondente" (art. 5º, IX).
Em nível federal, a Lei nº. 9.430/96, art. 83, já dispunha que "a representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério Público após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente" e a Portaria SRF nº. 326, de 15 de março de 2005, determina "o arquivamento dos autos da representação fiscal para fins penais, no caso de a exigência do crédito ter sido julgada improcedente e não couber mais recurso", nas situações que, em tese, configurem crime definido no art. 1º ou 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, ou no art. 334 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.
A comunicação de indícios de crime contra a ordem tributária - a denominada, "representação fiscal para fins penais", que todos os Agentes do Fisco estão obrigados a formalizar quando se depararem com situações que, em tese, configurem crime definido no art. 1º ou 2º da Lei nº 8.137/90 - traz reflexos na determinação do prazo para homologação do lançamento tributário e do prazo decadencial aplicável ao mesmo, pelo órgão julgador administrativo.
Vamos, num primeiro momento, partir do princípio de que o órgão julgador administrativo não tem competência para se manifestar sobre os indícios de crime contra a ordem tributária, e que no processo administrativo-tributário em julgamento no Conselho de Contribuintes tenha que se decidir sobre o prazo da Fazenda Pública para homologar o lançamento de imposto sujeito a homologação, tendo o contribuinte efetuado pagamento parcial do imposto devido, havendo elementos nos autos que indiquem a ocorrência de dolo, fraude ou simulação. O Código Tributário Nacional (CTN), art. 150, § 4º, in fine, dispõe que o prazo para homologação não será de 5 anos, contados da ocorrência do fato gerador, nos caso de "comprovada ocorrência de dolo, fraude ou simulação".
Quais os limites, portanto, da competência do órgão julgador administrativo: se lhe cabe determinar o prazo de homologação a ser aplicado ao caso "concreto" e se, para a determinação desse prazo, a comprovação da ocorrência (ou não) de dolo, fraude ou simulação é fundamental, não estará esse órgão decidindo, em âmbito administrativo, sobre a configuração ou não de crime contra a ordem tributária, definido nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90?
I. A decisão administrativa definitiva sobre a exigibilidade do crédito tributário, no caso de comprovação da ocorrência de dolo, fraude ou simulação
A primeira questão que se assoma é a de a quem compete homologar o lançamento de tributo cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento. E essa questão está claramente respondida pelo "caput" do art. 150 do CTN: à autoridade administrativa. Não qualquer autoridade administrativa, mas aquela que tem o poder-dever de efetuar o lançamento, nos termos do art. 142 do CTN.
A essa altura, segue-se o posicionamento de que o lançamento tributário pode ser visto sob a ótica de procedimento administrativo e sob a ótica de ato administrativo, entendimento este que é corroborado por ilustres tributaristas, dentre os quais, José Souto Maior Borges(1):
O lançamento é tanto o ato como o procedimento que antecede a emanação desse ato. Ora, o artigo 142, caput, do CTN - norma superior - determina, em certa medida, não apenas o conteúdo do ato de lançamento, mas também o procedimento respectivo.
Considerado o lançamento sob a ótica de procedimento administrativo anterior ao ato administrativo de lançamento, tudo se dá de forma a se verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível, conforme o artigo 142, "caput", do CTN.
Como esclarece Rubens Gomes de Souza (2), o procedimento administrativo tributário: "caracteriza-se por uma série ordenada de atos e termos, através dos quais se procura fixar, com precisão, se a matéria é tributável e, em caso positivo, quantum do tributo ou a penalidade cabível". Com a comunicação ao sujeito passivo (intimação, citação, notificação do sujeito passivo), esse procedimento realizado por agente público competente(3) se completa, culminando no ato administrativo de lançamento, que declara o crédito tributário. A obrigação tributária, a partir de então, torna-se exigível.
Mas o sujeito passivo poderá discordar do lançamento tributário assim formalizado, recorrendo à esfera administrativa, para obter uma decisão sobre o aspecto controverso, dando início ao processo que resultará numa decisão definitiva no âmbito administrativo (que poderá ser questionada pelo sujeito passivo junto ao Poder Judiciário). Em síntese, o procedimento de lançamento tributário tem por escopo preparar o ato de lançamento, enquanto o processo administrativo surge após a efetivação desse ato (4).
Ressalte-se que, como no Brasil, vigora a unidade de jurisdição, exclusiva do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV), a instância administrativa não exclui a apreciação da controvérsia no âmbito judicial.
Ao impugnar o crédito tributário, a exigibilidade da obrigação tributária representada pelo crédito tributário fica suspensa, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo (art. 151, II, CTN), podendo o lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo sofrer alterações no decorrer das etapas do processo administrativo tributário (art. 145, CTN).
Se o lançamento tributário impugnado pelo sujeito passivo fica com sua exibilidade suspensa e pode ser modificado no bojo das fases processuais, conclui-se que tudo o que possa ser razão suficiente para alterá-lo deva ser considerado pela autoridade administrativa julgadora. Se houve erro na base de cálculo, na alíquota ou na penalidade aplicável, por exemplo, é dada a ambas as partes a oportunidade de apresentar seus argumentos e provas que corroborem suas alegações, com a garantia do contraditório e da ampla defesa, até a decisão que encerre a instância administrativa.
Ora, parece indubitável que é nessa fase também que deverão ser apreciadas as provas que possam tipificar ou não a ocorrência de dolo, fraude ou simulação, no sentido de se decidir pela aplicação (ou não) do prazo de homologação do art. 150, § 4º, in fine, do CTN, in verbis:
Como a prova, na qualidade de signo, é sempre indireta (presunção), para se comprovar a ocorrência do fato principal, há necessidade de o intérprete, por intermédio de uma implicação lógica, vincular um fato provado ao fato que se quer provar - o fato presuntivo ao fato presumido. Ou seja, deve-se provar a existência do(s) indício(s) e deve existir uma conexão entre este(s) e o fato sobre o qual se aplica a legislação tributária (5), para então, o julgador administrativo decidir pela ocorrência ou não de dolo, fraude ou simulação.
Como conclui Fabiana Del Padre Tomé:
Toda e qualquer produção probatória exige apreciação pelo julgador, operando-se desde (i) admissão ou rejeição do ingresso de determinada prova nops autos, (ii) a fixação dos pontos controvertidos que exigem maior cuidado na instrução, até (iii) a enunciação decisória terminativa do conflito. Nesta última etapa, entretanto, é que se estabelece o convencimento do julgador acerca da ocorrência ou não do fato jurídico tributário em sentido estrito ou do ilícito tributário, pautado nas provas articuladas por ambas as partes.
Assim, com base nas provas dos autos, constatada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação, deverá, então, ser efetuado "o lançamento de ofício, e cobrada a diferença do tributo, no prazo do art. 173, I", passando a tratar-se de hipótese de lançamento de ofício, com base no art. 149, inciso VII, do CTN (6), combinado com o art. 173, I.
A quem é dada pelo CTN a competência para decidir sobre a ocorrência de dolo, fraude ou simulação do sujeito passivo durante o processo administrativo?
Ao órgão julgador administrativo, tendo em vista que a impugnação e o recurso administrativo suspendem a exigibilidade do crédito tributário, para possível retificação do lançamento em face do conjunto probatório constante dos autos, como anteriormente mencionado.
E ao julgador é dada a liberdade na apreciação das provas constantes dos autos, mesmo que não alegadas pelas partes, devendo indicar na sentença as razões que o levaram ao seu convencimento, nos termos do art. 131 do Código de Processo Civil
O próprio CTN, ao prever, ao final do art. 150, § 4º, que para os casos de dolo (1), fraude (2) ou simulação (3), não se aplica o prazo do art. 150, § 4º, 1ª parte, está a dar competência ao julgador administrativo para decidir se houve ou não, por parte do sujeito passivo, o cometimento dessas condutas, penalizando-o também com o aumento do prazo decadencial do art. 173, I, do CTN. Senão, vejamos.
(1) No Código Penal, o crime é doloso "quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo" (art. 18, I). O parágrafo único do mesmo artigo do CP prevê que ninguém será punido por fato previsto em crime, senão quando o pratica dolosamente, salvo os casos expressos em lei. Por fim, o art. 12 do CP preceitua que "as regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso".
Destaca-se aqui o primeiro ponto vinculante entre a comprovação da ocorrência de dolo e as figuras típicas da lei de "crimes contra a ordem tributária": como a Lei 8.137/90 não trata o tema de maneira diversa, como dispõe o art. 12 do Código Penal, deduz-se que os crimes apontados nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137/90 têm de ser cometidos dolosamente, para estarem então caracterizados(7).
(2) Fraude, em seu conceito expresso na antiga Lei 4502/64(8), e, tal qual as definições de sonegação e conluio da mesma lei, se vinculava tão somente à gradação das penalidades tributárias relativas ao IR e ao IPI - mas não se prestavam para propositura de queixa crime. No entanto, também a fraude encerra o dolo do agente, vinculando-a às figuras típicas da Lei 8.137/90.
(3) Simulação, segundo De Plácido e Silva, vem "é o artifício ou o fingimento na prática ou na execução de um ato, ou contrato, com a intenção de enganar ou de mostrar o irreal como verdadeiro, ou lhe dando aparência que não possui"(9). Na simulação, a reação do Direito "concentra-se na busca do verdadeiro ato praticado, enquanto, na fraude, o objetivo é a desconstituição da realidade jurídica que se intentou criar" (10).
O dolo do agente é também requisito para a caracterização da simulação, vinculando-a as figuras típicas da Lei 8.137/90(11). Caso, no entanto, o contribuinte promova uma interpretação errônea da legislação tributária, no que concerne aos créditos, alíquiotas e base de cálculo, nem por isso estar-se-á diante da figura dolosa, tendo em vista a própria complexidade dessa mesma legislação.
Em suma, a decisão administrativa definitiva sobre o prazo de homologação previsto no artigo 150, § 4º, deve, em caso de comprovada nos autos a ocorrência de dolo, fraude ou simulação, estar conformada ao prazo correspondente à combinação dos artigo 150, § 4º, in fine, art. 149, VII, CTN, culminando no prazo decadencial previsto no art. 173, I, do CTN. Jurisprudência do STJ: AgRg no REsp 577720 / SP, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJ 17.08.2006; do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo: Decisão Paradigmática:RO 1002900, Decisão Paradigmática:RO 1002233, Decisão Paradigmática:RO 1002898.
II. A existência de indícios de crime contra a ordem tributária e a decisão administrativa definitiva sobre a exigibilidade do crédito tributário
A ação penal relativa aos crimes contra a ordem tributária é pública incondicionada, não dependendo, portanto, de representação para a iniciativa do Ministério Pùblico. É o que se impõe com a leitura combinada do artigo 15 da Lei 8.137/90 e do artigo 100, § 1º, do Código Penal.
O Ministério Público, portanto, independe da "representação fiscal para fins penais" em caso de ter elementos, por outros meios, que lhe permitam comprovar a definitividade do crédito tributário e instaurar, portanto, a ação penal pública pertinente.
Ocorre que, de acordo com a jurisprudência de nossos Tribunais, nenhum efeito terá essa iniciativa sem a definitividade do crédito tributário no âmbito administrativo.
Essa é a posição firmada no STF, que assim decidiu nos HC 86236 / PR - PARANÁ HABEAS CORPUS Relator(a): Min. CEZAR PELUSO Julg. 02/06/2009 Órgão Julgador: Segunda Turma - Publicação DJe-118 26-06-2009, HC 90957 / RJ - Relator(a): Min. CELSO DE MELLO Julg. 11/09, dentre outras decisões. E no Superior Tribunal de Justiça: HC 82423 / SP 2007/0101320-7 - Rel. Jorge Mussi - Julg. 24/03/2009.
No mesmo sentido, doutrina balizada:
"Por tais razões é livre de dúvidas que a consumação dos crimes contra a ordem tributária só pode ser afirmada depois de esgotadas todas as instâncias administrativas de que dispõe o sujeito passivo para discutir a exação. Isto porque o lançamento tributário, como vimos, pode perfeitamente ser desconstituído, hipótese em que desapareceria o núcleo central do tipo penal; a supressão ou redução do tributo". (12)
A "representação fiscal para fins penais" mais se coaduna, isto sim, com o que dispõe o artigo 16 da Lei de Crimes Contra a Ordem Tributária, i.é, a "faculdade" de qualquer pessoa provocar a iniciativa do Ministério Público, indicando por escrito os fatos e elementos de convicção acerca do cometimento de crime contra a ordem tributária (ressalva: os Agentes Fiscais, porém, enquanto membros do Fisco, têm suas condutas vinculadas às disposições legais que os obrigam à comunicação).
As figuras típicas do art. 1º e 2º da Lei 8.137/90, porém, exigem a presença do dolo do agente, cuja ocorrência, quando pertinente para a decisão definitiva da exigibilidade do crédito tributário, deverá ser analisada pelo órgão julgador administrativo. Por exemplo, e como anteriormente mencionado, a caracterização ou não do dolo deverá influir sobremaneira na definição de qual será o prazo decadencial: o do artigo 150, § 4º, 1ª parte, ou o do art. 173, I, CTN c/c art. 149, VII e art. 150, § 4º, in fine.
Essas questões estão assim colocadas por doutrina balizada:
"Todas as condutas descritas nos nº I a V do art. 1º da Lei 8.137/90 pressupõem que, por meio delas, haja efetiva supressão ou redução de tributo. É crime material, de dano, pois para sua consumação é indispensável a ocorrência do resultado consistente na supressão ou redução do tributo devido aos cofres públicos. Neste sentido, a doutrina é praticamente unânime". (13)
"Com efeito, os incisos do artigo 1º da aludida lei descrevem condutas (comissivas ou omissivas), que constituem apenas elementos instrumentais para a prática do delito, ou circunstâncias elementares do crime, cuja consumação se dá com supressão ou redução do tributo ou contribuição social e acessórios - devidos". (14)
Vamos supor, hipoteticamente, a ocorrência do caso em que o contribuinte tenha sido enquadrado pela fiscalização em uma das condutas descritas no art. 1º da Lei 8.137/90 e a decisão definitiva no âmbito administrativo tenha sido a de que o crédito era indevido - e que, portanto, os autos de infração devam ser cancelados. Estando o crédito extinto com essa decisão definitiva, permanecerão os indícios de crime contra a ordem tributária, que fundamentavam a cobrança fiscal? Ou, se mantido o crédito para determinado exercício e cancelado para outro - em razão da aplicação do prazo decadencial do art. 150, § 4º, 1ª parte (5 anos, contados da ocorrência do fato gerador) -, não se terá obrigatoriamente adentrado ao mérito da ocorrência ou não de dolo do agente e, portanto, da tipificação nas figuras típicas da Lei 8.137/90? (Vide HC 87115 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUS Relator(a): Min. ELLEN GRACIE Julg. 11/11/2008 Órgão Julgador: Segunda Turma).
Em sua obra, "Crimes Contra a Ordem Tributária", Hugo de Brito Machado assim esclarece (15):
"Constituem o núcleo do tipo penal em questão as ações de suprimir ou de reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório mediante uma ou mais de uma das condutas legalmente descritas na definição do crime. Não basta a ocorrência de uma ou de mais de uma dessas condutas. Para a caracterização do crime, é necessária a supressão, ou a redução do tributo".
Ou seja, se a decisão final em âmbito administrativo for a de não ter havido supressão ou redução de tributo, ou de não ter se configurado o dolo do agente, não terá havido tipificação no artigo 1º da lei em comento e, portanto, não terá ocorrido crime contra a ordem tributária. Se o órgão julgador administrativo decidir que não houve o resultado (supressão ou redução de tributo), ou se o resultado ocorreu sem dolo, extinguindo-se o crédito de determinado exercício pela aplicação do art. 150, § 4º, 1ª parte (5 anos, contados da ocorrência do fato gerador) estará, num raciocínio lógico simples, decidindo que não houve crime. (Vide HC 86281 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUS Relator(a): Min. CEZAR PELUSO Julg. 09/09/2008 2ª Turma; Vide Portaria SRF 326, art. 3º, §§ 6º e 7º).
Essa competência da útlima instância administrativa de adentrar ao mérito da tipificação da conduta do agente em crime contra a ordem tributária em nada fere a autonomia da fiscalização em seu dever de comunicar os indícios de crime contra a ordem tributária que porventura tome conhecimento no andamento do procedimento fiscal, mas pelo contrário; é uma segurança a mais para o agente do Fisco que terá sua percepção inicial de indícios analisada por um órgão paritário em mais profundidade, com provas robustecidas ao longo das diversas instâncias administrativas e como resultante do contraditório e da ampla defesa assegurada às partes, o que pode modificar sobremaneira aquela percepção inicial - corroborando-a ou retificando-a. Se corroborada, em caso de processo judicial, o Agente Fiscal que fez a comunicação prestará as informações solicitadas em juízo com muito mais fundamento; se retificada, o eximirá de constrangimento na via judicial (16), já que essa decisão definitiva vincula a Administração.
"Entronizado este pensamento, a autoridade administrativa deve estar antenada com a prática delituosa, para efeito de representação, a uma pela complexidade do sistema tributário, a duas no contigenciamento de elementos caracterizadores de outra órbita, e por derradeiro, para atender a sua preocupação inerente, evitando com isso prevaricação.
Evita-se de um lado medidas inexitosas repousando no excesso de exação; de outro, qualquer prevaricação, assumindo a responsabilidade para comunicação ao Ministério Público, também a autoridade policial, quando confirmado o tributo e caracterizado o ato ilícito praticado". (17)
Como o órgão julgador administrativo é órgão da Administração, também se insere no poder-dever da Administração Pública de controlar seus próprios atos, visando à sua eficiência e legalidade. Isto é, "sempre será possível que a Administração Pública promova a revisão de seus próprios atos, enquanto não tiver ocorrido a decadência" (18).
No esclarecimento de Carlos Henrique Abrão (19):
Conseqüentemente, o exaurimento da via administrativa representa duplo avanço: o primeiro, na diretriz de constatar o tributo, e sua grandeza material; e o outro, corolário deste, de se determinar qual a conduta omissiva ou não, utilizada pelo contribuinte ou terceiros, caracterizando o ilícito tributário, permitindo a representação perante o Ministério Público.
Também nada obsta a que o Ministério Público, ao tomar conhecimento de outras condutas do sujeito passivo que importem em crime contra a ordem tributária, atue dentro da competência que lhe foi outorgada pela constituição, em geral, e pela Lei 8.137/90, em específico, oferecendo denúncia ao Poder Judiciário, com base em provas adicionais, que possam não ter surgido nos autos do processo administrativo tributário.
"A norma do caput do art. 83 da Lei nº. 9430/96 condiciona o encaminhamento de representação Fiscal ao Ministério Público ao fim do processo administrativo tributário, no qual haja sido o contribuinte declarado devedor do tributo e no qual tenha sido apurada a existência de crime contra a ordem tributária". (20)
Ressalte-se que poderá ainda ser extinta a punibilidade pela prática de crime contra a ordem tributária, se o agente promover o pagamento do tributo e acessórios (art. 34 da Lei Federal nº. 9.249/05), o que demonstra ter o legislador, de certa forma, dado maior relevância ao pagamento do crédito devido do que, propriamente, à repressão à conduta dolosa do agente nas figuras típicas dos artigos 1º e 2º da Lei de Crimes Contra a Ordem Tributária.
Conclusão
De todo o exposto, depreende-se que o órgão julgador administrativo tem competência não só para analisar as provas contidas nos autos, que comprovem a ocorrência de dolo, fraude ou simulação, mas também, e em decorrência dessa competência, a ele compete a decisão administrativa definitiva sobre a configuração de crime contra a ordem tributária.
Bibliografia
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CÓDIGO PENAL BRASILEIRO
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Vocabulário Jurídico De Plácido e Silva, Forense, 1990.
Notas
(1) in Lançamento Tributário. São Paulo, Malheiros, 2ª edição, p. 377.
(2) in Compêndio de Legislação Tributária. São Paulo, Resenha Tributária,edição póstuma,p.107.
(3) DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento Tributário. São Paulo, Max Limonad, 2ª edição, p. 162 -163.
(4) TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. São Paulo, Noeses, 2005, p.270.
(5) TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2005, p. 81/82, 144.
(6) MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional - Arts 139 a 218. Rio de Janeiro: Atlas, 2005, p. 198.
(7) FERREIRA, Roberto dos Santos. Crimes Contra a Ordem Tributária. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 60.
(8) "toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do impôsto devido a evitar ou diferir o seu pagamento".
(9) Vocabulário Jurídico De Plácido e Silva, Forense, 1990.
(10) HUCK, Hermes Macedo. Evasão e Elisão. São Paulo: Saraiva, p. 108 apud LOVATTO, Alecio Adão. Crimes Tributários. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p.155
(11) LANA, Cícero Marcos Lima. Crimes de Sonegação Fiscal. 2ª ed. Campinas: Impactus, 2007, p. 96.
(12) ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Crimes Contra a Ordem Tributária e Contra a Previdência Social. 6ª ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2009, p.119/120.
(13) MACHADO, Hugo de Brito. Crimes Contra a Ordem Tributária. Rio de Janeiro: Atlas, 2008, p. 320.
(14) ALVARENGA, Aristides Junqueira. "Crimes Contra a Ordem Tributária". (Coord) MARTINS, Ives Gandra. 3ª ed. São Paulo: CEU.
(15) Rio de Janeiro: Atlas, 2008, p. 330.
(16) CP - Art. 316 - (...)
§ 1º- se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza:
Pena - reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos e multa.
(...).
(17) Abrão, Carlos Henrique. Crime Tributário: Um estudo da norma penal tributária. 2ª ed. São Paulo: IOB, 2009, p. 26/27
(18) FILHO, Marçal Justen. Curso de Direito Administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 271.
(19) Op. cit, p. 26/27.
(20) PAULSEN, Leandro et al. Direito Processual Tributário. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2008, p. 41/42.
Fonte: Fiscosoft
Paulo Ernani Bergamo dos Santos
Conselheiro Vice-Presidente da 3ª CJ do Conselho Municipal de Tributos SP. Ex- Auditor Fiscal da Receita Federal. Engenheiro (USP), Bacharel em Direito. Especialista em Administração Contábil e Financeira - EAESP - GV. Especialista em Direito Tributário - EDESP - GV. Doutorando em Ciência Jurídicas e Sociais - UMSA - Argentina
Artigo - Federal - 2009/1867 Conselheiro Vice-Presidente da 3ª CJ do Conselho Municipal de Tributos SP. Ex- Auditor Fiscal da Receita Federal. Engenheiro (USP), Bacharel em Direito. Especialista em Administração Contábil e Financeira - EAESP - GV. Especialista em Direito Tributário - EDESP - GV. Doutorando em Ciência Jurídicas e Sociais - UMSA - Argentina
Elaborado em 09/2
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