quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Responsabilidade subsidiária trabalhista: O reino da insegurança

No artigo intitulado "Responsabilidade solidária previdenciária: um atentado à liberdade", relacionei as razões pelas quais afirmo ser este instituto uma agressão ao estado de direito natural e à sociedade de homens e mulheres livres.

Os legisladores não podem ter o poder de legislar ao bel-prazer. A formação de uma assembléia constituinte pressupõe um colegiado de pessoas que representa uma sociedade de homens e mulheres livres. A elaboração de leis que constituam agressões à vida, à liberdade e è propriedade destas pessoas significa invalidar a constituição almejada, por transformar estes atributos inalienáveis em precárias concessões.

O espírito da lei que reza que nenhuma pena passará da pessoa do condenado não se extingue na estrita esfera penal, mas é o próprio corolário da liberdade, ao afirmar que cada um será responsabilizado pelos seus próprios atos voluntários. Se alguém tiver de ser responsabilizado por atos de outros, esta pessoa não é homem ou mulher livre, mas um servo ou um escravo, ou pior, um capacho. O mesmo se dá por alguém que venha a ser responsabilizado por atos que não escolhe para si, a não ser aqueles estritamente necessários para defender o sistema que lhe garante a vida, a liberdade e a propriedade.

Infelizmente, em nosso país, um sono lânguido acomete os cidadãos quando se trata de defender a própria liberdade. Talvez isto se explique pelo fato de viverem em um século cuja tecnologia e estrutura social remanescente tenham trazido alguns confortos jamais vistos na história da humanidade, fruto do esforço - e muitas vezes do sangue - das pessoas de antanho.

Um outro componente agrava a questão: nos Estados Unidos da América, as crianças desde logo são ensinadas sobre o heroísmo daqueles que participaram do movimento pela sua independência, e são exortadas a continuarem lutando pela liberdade. No Brasil, tudo o que os jovens ouvem falar é sobre o bem comum, ou bem coletivo, que há - sempre - de sobrepujar-se ao interesse particular.

Sem nos determos tanto neste ínterim, peço apenas a atenção para este breve exercício de lógica: Imagine uma sociedade onde todos os interesses particulares são satisfeitos e nenhum interesse coletivo o seja. Agora, imaginemos esta sociedade em transformação, isto é, uma comunidade em que, paulatinamente, os interesses privados sejam cada vez mais sacrificados em prol de interesses ou bens chamados de coletivos, até que atinjamos um tal estado de coisas em que todos os interesses coletivos são satisfeitos e nenhum interesse particular o seja. Qual das duas sociedades haverá de ter a sua população feliz e relizada? Como pode, pois, tal sociedade transformada ser feliz - esta em que há uma máxima presença de bens coletivos às custas de uma completa ausência de bens ou interesses particulares - se todas as pessoas foram preteridas em seus direitos às custas de outrem?

O grande fato ocultado na teoria do bem ou interesse coletivo, ou mesmo do "interesse do estado", termo mais avançado para os intelectuais de esquerda, é o de que somente uma pessoa é quem detém o poder de declarar o que é ou não é um bem coletivo. Se todas as pessoas fossem instadas a responder sobre o que pensam vir a ser um bem coletivo, citariam uma plêiade de coisas, desde as mais simplórias até as mais extravagantes, e isto significa uma e uma só coisa: que elas gostariam de ter a liberdade - e o poder - para que estas coisas se tornassem realidade, segundo seus próprios pontos de vista. O poder, aqui, é o representado pela propriedade, a única forma de poder pacífica, consensual e mutuamente benéfica. É por meio da propriedade que uma pessoa pode pagar quem a auxilie na consecução de seus projetos. Qualquer outra manifestação de poder se dá às custas de uma fatia de liberdade de outrem. Disto resulta que o maior de todos os bens coletivos é justamente aquele formado pela tríade "vida-liberdade-propriedade" conferido a cada indivíduo (prefiro sempre usar o termo "pessoa" ou "ser humano".).

Feitas estas considerações, creio que o leitor que tenha concordado com nossa linha de argumentação também haverá de nos apoiar contra o que recebe o nome de "responsabilidade subsidiária trabalhista", instituto que consiste na capacidade de o estado, por via judiciária, obrigar um tomador de serviços a comparecer com seus recursos pelos direitos trabalhistas dos empregados da empresa de obras ou de terceirização de serviços contratada, na parte em que estes patrões não tiverem mais recursos para suportá-los.

"Somos todos iguais perante a lei" é o que deveria afirmar a nossa Constituição. Mas ela não se contenta com um princípio tão simples, e cita um caput pra lá de complexo, enumerando em seguida setenta e oito termos em que esta igualdade pode se manifestar, além de atestar que este rol não é exaustivo! Para bom entendedor, - meia palavra, besta! Tantas condicionantes não condizem com uma ampliação de nossas liberdades, mas tratam justamente do estreitamento do alcance delas.

Importante ressaltar que os trabalhadores já contam com exacerbado privilégio no concurso de credores, segundo o caput do art. 186 do CTN: "O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho".

O legislador que colocou os créditos trabalhistas acima do concurso de credores pensou com isto em proteger os direitos dos assalariados, privilegiando-os em relação aos empresários. Olvidou, todavia, que também os colocou em ordem de precedência em relação aos empregadosdos credores, porque eles também precisam receber salários, que afinal, vêm dos lucros de seus patrões. Como sempre, mais uma vez temos o exemplo de como o estado premia os ineficientes e pune os responsáveis, diligentes e inovadores.

O legislador, desta forma, equiparou os trabalhadores da empresa falida ao urubu-rei, o majestoso pássaro carniceiro que desfruta da carcaça sozinho, restando aos urubus "plebeus" as sobras somente após bastar-se em sua refeição. Olvidou que os funcionários da empresa falida compartilhavam com o patrão deles da responsabilidade pela má condução dos negócios. Isto é especialmente contraditório quando lembramos que os políticos e sindicalistas vêm cobrar dos empresários que paguem bonificações de participação nos lucros aos seus empregados.

Não obstante, o Tribunal Superior do Trabalho não tem entendido que isto seja o suficiente. Por meio do Enunciado 331(1) (Resolução 96/2000), estabeleceu que qualquer pessoa que contratar uma empresa para fazer uma obra, ou para lhe prestar serviços tais como o de vigilância, limpeza e conservação, há de se tornar responsável subsidiária pelos créditos trabalhistas dos empregados destas empresas.

Agora imagine o leitor as conseqüências! Pensemos na seguinte situação, só pra complicar um pouco: uma empresa qualquer, digamos, uma concessionária de veículos vai à falência, e agora, os empregados desta firma terão que dividir a massa falida com os empregados de uma empresa de jardinagem que seus patrões haviam contratado em uma situação eventual, anos antes!

Do exposto, a única forma mais ou menos viável de se livrar de uma tal responsabilização será provar que, como contratante, você conferiu os depósitos de FGTS, o cumprimento das normas de segurança no trabalho, e o pagamento das parcelas salariais (férias, 13º, parcelas rescisórias) dos empregados da empresa que você contratou. Isto sem dizer que será recomendável você verificar também o seu balanço, os índices de liquidez, as suas certidões negativas de débitos tributários (pelos créditos previdenciários você já é responsável solidário). Na prática, tudo isto equivale a trazer para a sua firma os departamentos operacional e de recursos humanos desta empresa! No serviço público federal, instruções já estão sendo expedidas no sentido de obrigarem os fiscais de contratos a reterem estas parcelas em contas separadas, para então efetuarem diretamente o pagamento aos empregados das empresas de obras e de terceirização contratadas.

Os serviços intermediários, estes que não compreendem a finalidade precípua de uma organização empresarial, começaram a ter lugar no mercado por conta da especialização de funções, o que é uma simples evolução do mercado. Hoje em dia, a título de exemplo, ninguém nas cidades cria frangos. As pessoas os compram, simplesmente porque assim é mais barato, saudável e talvez mais saboroso. O mesmo se dá com roupas, tijolos, carros...

Outra ilustração: uma empresa de vigilância treina os seus funcionários, equipa-os e os mantém nos postos contratados em regime de contrato de serviços. Isto significa que, para a empresa contratante, não importa quem esteja na guarita em frente ao estabelecimento, mas somente que haja um vigilante capacitado. Tanto é assim que, mesmo em virtude da falta eventual de um vigilante, a empresa de vigilância deve suprir aquele posto imediatamente. Agora pense que a empresa contratante tenha de conferir os dados cadastrais de qualquer vigilante que venha cobrir uma falta, as férias ou até mesmo o almoço de um de seus colegas! Que absurdo!

O que os legisladores e o TST viram a instaurar com tal extravagância foi a debilitação da competitividade das empresas brasileiras, e o reino da insegurança jurídica. Qualquer empresa agora terá por dever prever em sua contabilidade uma reserva ociosa para cobrir uma tal surpresa inesperada e praticamente imprevisível, dada a prolixidade da legislação trabalhista.

Nota
(1) TST Enunciado nº 331 - Revisão da Súmula nº 256 - Res. 23/1993, DJ 21, 28.12.1993 e 04.01.1994 - Alterada (Inciso IV) - Res. 96/2000, DJ 18, 19 e 20.09.2000 - Mantida - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

Contrato de Prestação de Serviços - Legalidade
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). (Revisão do Enunciado nº 256 - TST)
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20-06-1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993). (Alterado pela Res. 96/2000, DJ 18.09.2000).

Fonte Fiscosoft
Klauber Cristofen Pires

Analista Tributário da Receita Federal do Brasil, Bacharel em Ciências Náuticas, Especialista em Direito Tributário "Lato Sensu" pela ESAF/UFPA e Graduando em Direito pela Faculdade Integrada Brasil-Amazônia (FIBRA) em Belém (PA).
Artigo - Previdenciário/Trabalhista - 2009/1192
Elaborado em 11/2009

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